em parceria com a czarina romena.
Traga a carta de vinhos
minha companhia alonga-se na demora
meu relógio e eu, sozinho
os minutos passam e as flores murcham
aquilo corroendo as paredes, eu sei, é o tempo
das paredes ulcerosas brota a impaciência
nada chega.
Traga a carta de vinhos.
Chilenos, argentinos e brasileiros. Só. É um restaurante latino-americano?
Que seja. traga um de rótulo bonito. Um que não tenha rolha.
Não há rótulos bonitos em latinoamérica. Só índios - disse-me o insolente maître.
Então me traga uma puta pra me fazer companhia.
Aqui não. Dois prédios à direita, sim?
Sim, certo. Então uma água, um camembert, uma taça de dignidade?
Servimos apenas estes vinhos. Espera de nós dignidade?
Silvinha chega enfim ao restaurante. Me encontra afundado entre o mâitre e as migalhinhas de pão. Estava conhecendo-a agora. E já não tinha uma boa impressão dela. Além de atrasada, estava feia. Parecia que havia saído de um salão de beleza enquanto ainda penteavam seu cabelo.
Ela amarrou a bolsa na cadeira e se sentou com um ruido abafado. Oi! Desculpa o atraso viu? é que rolaram uns imprevistos e… enfim! cheguei!
Olhei-a com escárnio. Como podia se atrasar tanto pro nosso primeiro encontro? Resolvi ser cruel.
- Hoje a conta é sua, baby.
Ela passou a mão no cabelo, e não respondeu se sim ou se não. Além de tudo devia ser avarenta. O vinho chegou. Era chileno. Tinha nome de santo.
Vamos conversar, pensei. Olhei para o vinho e fiz uma careta. Parecia péssimo. Era suave, ainda por cima.
- Quais os imprevistos que enfrentou?
- Ahn, bem. A… a minha mãe ligou pedindo pra buscar ela, porque… porque ela tinha sido assaltada.
Em outras palavras, ela passou tempo demais no banho e usou o secador pra construir aquele Frankenstein que ela chamava de penteado.
- Foi você quem fez esse penteado?
- Não… estive no salão antes de tudo isso. Gostou? - disse enquanto sorria e alisava a cabeleira loira
- Horrível.
O sorriso esvaiu rapidamente de sua face. O silêncio na mesa contrastava com o tilintar de garfos e derramar de líqüido nos copos das outras mesas. Bebia o vinho calmamente. Não estava tão ruim assim.
Eu ia estourar seu cartão de crédito, ela sabia disso.
Ela começou a parecer indignada, mas não sabia bem o que fazer. Torcia e destorcia o guardanapo no colo, fez que ia falar, não falou. Veio o mâitre: Já sabem o que vão pedir?
- Já sabemos, querida?
- Não, por que você não escolhe? - quis ser gentil. Sua gentileza iria lhe custar uns 500 reais.
- Primeiro, petit gateaux. Um pra cada. Depois, lagosta e paella. De acordo, amor?
O maître olhou meio assustado. Talvez por pedir uma sobremesa de entrada. Mas queria doce e não queria rodeios.
- Sim, Joseval… - assentiu resignada.
O maître saiu feliz.
Ela começou a me olhar com ódio. Era divertido ver a pálpebrazinha de baixo tremelicar. Quando o garçom trouxe os dois bolinhos de chocolate como entrada, ela já estava à beira das lágrimas.
Ela comeu. Pareceu um pouco melhor. Chocolate e mulheres, vá entender.
- Está gostando? Eu estou achando ótimo. Ah, roubaram o que de sua mãe? Ela está bem?
- Poderia ser melhor. Roubaram pouca coisa, só a bolsa. O problema são os documentos mesmo. A propósito, acho que não tenho dinheiro para pagar a conta toda. - tentou revidar.
- Nem eu. Também fui assaltado.
Choque.
- vamos cancelar os pedidos.
- Está louca? Estou morto de fome! Você tem idéia do quanto se atrasou?
- Eu te pago um cachorro quente lá fora! Não. Vou. Lavar. Pratos. Não vou. Ponto.
Ela levantou, foi atrás do mâitre. Pediu desculpas e a conta.
- Desculpe, senhora. Mas é norma da casa não cancelar pedidos de pratos que já foram preparados.
- MAS EU NÃO TENHO DINHEIRO! - gritou, chamando a atenção de todo o restaurante. Ainda por cima era indiscreta. Resolvi deixar o restaurante de fininho.
Passei pela porta giratória e pedi um táxi. Entrei e mandei o motorista acelerar.
Ainda deu pra ver Silvinha correndo atrás atabalhoada, de salto alto, uivando um Filho da Puta!!!!!! assim, com diversas exclamações mesmo. É. Descabelada, avarenta e mal-educada. Desculpe Silvinha, mas eu e você… não era pra ser.
quarta-feira, 24 de janeiro de 2007
terça-feira, 2 de janeiro de 2007
Antediluviano
Solidão contemplativa do pato
Sob o céu pardacento da manhã
Solidão lúgubre das cruzes
Ao longo da rodovia que rasga
Solidão resignada do lavrador,
que sulca o solo raso com a enxada
Solidão viçosa das florzinhas amarelas
Entre os galhos retorcidos e espinhosos
Solidão esmaecida dos prédios abandonados
Esmagados pelas secas intempéries
E ainda para lá,
É tudo Desertão
Sob o céu pardacento da manhã
Solidão lúgubre das cruzes
Ao longo da rodovia que rasga
Solidão resignada do lavrador,
que sulca o solo raso com a enxada
Solidão viçosa das florzinhas amarelas
Entre os galhos retorcidos e espinhosos
Solidão esmaecida dos prédios abandonados
Esmagados pelas secas intempéries
E ainda para lá,
É tudo Desertão
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