Sábado de manhã. Eu acordei e já era quase 1 da tarde, então me levantei e tomei uma chuveirada. Fiz a barba, mas ainda não tinha nada combinado para aquela noite.
Tinha ido dormir tarde noite passada, assistindo Intercine. Não foi um filme bom, mas era o que tinha a fazer para economizar pro sábado. Hoje era dia de sair e arranjar alguém.
Qualquer alguém. Já faz quase uma semana desde Mariana e nenhuma mulher têm respondido aos meus apelos internéticos.
Antes de ver o filme tinha mandado uma série de mensagens aleatórias para todos os meus contatos. Meu MSN de 200 contatos offlines, todos mulheres estava cheio de presenciar tal fato. Bem, era difícil que não recebessealgod e volta.
Liguei o pc, enquanto comia uma tigela amolecida de sucrilhos, gotejando leite na mesa. Bingo. Morena_linda38. Não lembro a mensagem que mandei para ela, mas ela dizia: hahahaha, você é o maior!
O maior, e nem me conhecia por inteiro. É isso aí, mulheres gostam de exagerar e puxar o saco, sem ao menos conhecer. Trinta e oito? Deve ser uma tia desesperada.
Mas olhei a foto. tinha um rosto bonito. Provavelmente de uns 10 anos atrás, mas um rosto é uma das poucas coisas que podem fazer ou destruir o charme de uma mulher. E estava online.
Falei com ela com gentileza, como me é pertinente nesses casos. Conversamos um pouco sobre trabalhos, vida pessoal, e por fim, restaurantes. Mas ela preferia algo mais solto, como uma boite.
Lindo. Maravilha mesmo. Um lugar escuro e sem comida, e geralmente esses lugares são caros e tocam músicas insuportáveis. Mas as garotas usam roupas mínimas então creio que não será de todo mau.
Saias curtas. Que maravilha. Ela poderia ter sugerido um baile funk. Seria mais rápido, talvez. Eu iria mais cedo, de qualquer jeito. Ficar um pouco no bar.
Tudo combinado, pus minha camisa de boite, a laranja de botão, tinha até tomado banho. Passei perfume. Essa noite, errar não era opção. Mas logo me arrependi quando senti o cheiro do frasco se misturar ao do desodorante aplicado com displiscência.
Bom, ia ser assim mesmo. Na pista, com os suores, iria passar, ou tornar-se pior. Não iria trocar mais de camisa, de jeito algum. Peguei duas rodelas de limão e fui passando debaixo do braço. Depois que saiu o cheiro, passei um pouco de água e sabonete, e estava pronto.
Saí do apartamento e me dirigi à padaria na frente do prédio. Tomei uma tubaína e um misto quente, para não passar fome na boite e, além do mais, eu sei como eu fico quando bebo de estômago vazio.
Tubaína de guaraná, mas parecia de tutti frutti. Bebi rapidamente e saí correndo quando avistei meu ônibus vindo. Sempre pago antes para não correr o risco de perdê-lo. Um ônibus perdido significa uma hora de espera, onde moro. Subi, apressado, e sentei-me no fundo, esfregando as mãos pela noite que estava por vir.
Desci na Rua Tabatinga. Ficava a duas quadras da boite onde encontraria a morena. O nome dela, ela disse, era Cíntia. Nome de puta, mas achei melhor não comentar.
Cheguei antes do combinado e pedi uma cerveja ao barman. Sentei-me ali mesmo no bar e podia ver as jovens "causando" e "fritando" na "baladinha". Senti uma ereção a caminho.
Apoiei o copo frio nas calças e isso surtiu o efeito desejado. Consegui tomar umas duas cervejas antes de ver a moça chegar. Saia curtíssima, vermelha, blusa prateada e de costas nuas. Espalhafatosa, ainda mais para a idade. Devia estar desesperada.
Ela foi chegando perto e eu percebi porque a foto era antiga: músculos por toda a parte, até nas bochechas. Não sabia mais o que fazer. Eu estava atrás de uma mulher, e não de um fisiculturista.
Ela era magra, está bem. Mas toda musculosa, e aquela roupa que não cobria nada começaram a me dar arrepios. Cumprimentei-a e fui educado, muito mais do que o de costume porque veja bem, ela era bem mais forte do que eu. Eu podia facilmente perder um dente.
Mas perdi a noite. Disse que ia ao banheiro e me mandei dali o mais rápido possível. No caminho, esbarrei numa menina, também morena, magra e de boca irresistivelmente carnuda. Olhou-me provocando, me chamou de tio, e me empurrou contra a parede.
E quem sou eu pra resistir a um ímpeto desses? De qualquer forma, eu estava me sentindo estranhamente passivo, aquela noite, então apenas deixei que ela fizesse de mim o que bem entendesse. Não seria uma noite perdida, afinal.
Ela me apertava com força, como se fosse um homem. Essas jovens de hoje, vão muito à academia, pensei comigo mesmo. Mas estava bom, gostava um pouco dessa coisa masoquista, de ser controlado, ainda mais por uma moça que deveria ter metade da minha idade.
E bonita, ainda por cima.
Vamos sair daqui?
Ela sugeriu, eu acatei. E acatei feliz, aquele não era lugar pra gente da minha idade. Fomos pra rua e o ar gelado nos deu uma bofetada na cara. Fomos nos desenrolando embolados pela rua até que senti uma mão sobre meu ombro.
- Posso ver as carteiras de identidade de vocês? - chegou intimidando um policial mal-encarado. A menina era quase do meu tamanho, imaginei que deveria ter seus vinte anos, e não entendi direito a desconfiança do policial. Estava calmo. O mesmo parecia não acontecer com minha companheira: suava muito e estava com olhos alterados. Entregamos-lhe as carteiras.
Ela tinha dezesseis anos. DEZESSEIS! Meu deus, eu tinha sido pego em flagrante com um filhote de mulher. Naquele momento, só conseguia pensar numa coisa: me fodi. O sujeito soube lidar bem com a situação: me deu um chute nas bolas e me enfiou na viatura. A menina, ele deixou lá, no meio duma avenida escura às 3 da matina.
Veio fazendo piadinhas sobre a vida na cadeia, sobre os estupradores, sobre limpar o chão com uma bola de ferro presa aos pés com uma corrente. Minhas bolas estavam doendo muito, aho que não serviriam mais por uns dois anos. Minha noite forapor água abaixo.
Na delegacia, tentei me explicar como pude. Não sabia da idade dela (isso era verdade), ela parecia mais velha (também verdade), nem cheguei a fazer nada mais do que dar uns amassos com a menina (ainda verdade) e nem ia fazer mais que isso (bingo!). Eles não tinham razões pra duvidar de mim, mas, porra, eu tinha sido pego em flagrante.
- Essa noite, tu vai passar no xadrez. Pra aprender a tomar cuidado com quem você sai bolinando por aí.
Nhéén, cléc. E lá estava eu numa cela diminuta, suja e mal-cheirosa. Se tivesse um pc em vez de um enorme turco peludo, ia ser igualzinha ao meu apartamento.
O turco parecia um daqueles carrascos gordos da Idade Média. Quando entrei estava ajeitando suas bolas dentro da cueca ex-branca que vestia, acompanhada de uma camiseta azul, que deixava nus os pêlos em seus sovacos, no peito e nas costas. Usava um cavanhaque que ressaltava seu nariz adunco e seu olhar doentio.
- Boa noite, doçura, sou Agamenon...
Quase imediatamente, o suor frio desceu pelas minhas costas, empapando minha camisa e inutilizando o efeito das rodelas de limão, que no momento pareciam longínquas como nunca. Ia ter que passar a noite com aquela criatura, e só tinha um beliche no lugar. Tomei coragem e sentei do lado dele. Talvez Agamenon fosse um cara legal, porquê não? Talvez ele estivesse preso por não pagar uma multa de trânsito ou por qualquer outra coisa diretamente oposta ao estupro de homens com camisas laranjas.
Agamenon levantou o colchão e me sugeriu uns cigarros de palha. Aceitei um, e ele pegou outro. Começamos a conversar, livremente. Ele disse que ainda não tínhamos nos cumprimentado, e me estendeu a mão. Apertei-a e ele não quis mais largar a minha mão. Com um dedo tentou alisá-la, e eu rapidamente usei de força para tirar minha mão da dele.
A situação tava começando a pesar pro meu lado. E eu estava cansado tão cansado, só queria que a manhã chegasse logo. Deitei encolhido no beliche, com a bunda encostada na parede, só por precaução. E fiquei torcendo para o turco não ser lá muito fã de dormir de conchinha.
O cansaço me fez dormir. Um dormir muito ruim e precavido, mas ainda assim, um sono. Rápido. Uns trinta minutos depois, sinto uma mão num local indevido. Era Agamenon. Levantei-me num sobressalto e levei uma queda do beliche, de costas. Fingi que não doeu, me pus de pé e fiz um escândalo, gritando pelos guardas, enquanto Agamenon corria atrás de mim como uma fera.
Ele me pegou. Senti o cavanhaque áspero roçando na minha nuca, e uma porção de outras coisas que preferia não sentir. Gritei, gritei a valer de verdade, até que os guardas apareceram e decidiram que ser violado por um turco que cheirava a coalhada azeda era uma pena maior do que eu merecia, e de qualquer forma já era quase de manhã, então eles concordaram em me soltar. Para tristeza de Agamenon, que ainda ficou atirando beijos pra mim através das barras de ferro. Novo acesso de suores frios.
Me veio na cabeça uma música brega que citava seu nome, ecoando, Agamenon, Agamenon. Que triste. Quase cinco da manhã e estava ali, no meio da rua, em frente a uma delegacia num bairro fétido. Talvez fosse melhor ficar por ali e esperar o dia amanhecer para voltar.
Sentei-me na calçada. Em uns dez minutos um veículo com as luzes muito fortes apareceu na esquina, dobrando velozmente em direção à parede da delegacia. A jamanta estraçalhou a recepção e uns cinco homens desceram com armas de grosso calibre. Um deles veio até mim, gritando para eu deitar no chão. Obedeci, e fiquei com seu pé em minha cabeça. Logo os outros saíram da delegacia, acompanhados de Agamenon. Seus olhos castanhos me encaram e brilharam. Ele ordenou que me trouxessem para perto dele e encerrou tudo com uma piscadela. Estava em poder de Agamenon, o conquistador.
segunda-feira, 26 de março de 2007
terça-feira, 20 de março de 2007
Micro-conto
- Poxa, que vontade de comer uma coxinha de aipim. Mas eu nem tenho dinheiro.
- Nem eu, e tou morrendo de vontade. Aliás, eu tenho, sim.
- Ah, eu também tenho!
E os avarentos rumaram em direção à lanchonete mais próxima.
- Nem eu, e tou morrendo de vontade. Aliás, eu tenho, sim.
- Ah, eu também tenho!
E os avarentos rumaram em direção à lanchonete mais próxima.
quinta-feira, 15 de março de 2007
Tchau, Tô Indo, Não Vou
em parceria com Aline, a Chinaski ao contrário.
Desceu do ônibus e logo acendeu um cigarro. Seu agasalho não dava conta de aquecer-lhe o tórax o suficiente. A fumaça que soltou pela boca misturou-se a névoa rala e à poluição cinza do escapamento dos veículos. "No Pólo Sul não seria assim" pensava, a cada passo imaginava um branco diferente, mas acabava sendo sempre o mesmo.
Sempre o mesmo. Estava acostumado com isso. Não precisava pensar em muitas coisas ou olhar para muitos lugares para sentir algo comum, trivial. Mas ver brancos tão iguais não lhe trazia uma sensação desconfortável. Era apaziguador.
Paredes limpas, o único lugar impossível de se perder, o único caminho que ele sabia naquela madrugada. Poderia andar mais 50 quarteirões, mas a cidade só tinha 20.
Que seja. Naquela cidade, a distância entre a rodoviária e a casa de seus pais poderia ser considerada grande. Melhor assim, teria de andar mais e demoraria mais a vê-los. Poderia pensar melhor se valeria a pena humilhar-se para conseguir alguns trocados. Se desistisse, não importaria que tivesse de varrer as ruas para voltar. "Minha dignidade vale mais que uns pratos de comida", pensava, tentando dissuadir-se. Mas, quando viu, já estava em frente à casa onde morara por anos.
Sentou na calçada e acendeu mais um cigarro. e depois outro e outro... O céu não mudava de cor, ele não (se) sentia (mais) frio. Levantou e entrou, direto para o quarto, direto para o que chamava de conforto. Abriu todas as gavetas e as esvaziou em sua mochila, não era muito, mas era o suficiente, não era suficiente, mas era convincente.
Algumas roupas rasgadas, outras que nem lhe cabiam. Pelo menos faziam volume. Iria impressioná-los, com certeza. "Ele vai embora de vez!", diriam assustados. Puro engano. Estava mais acuado que um ratinho ileso. Não fora bem sucedido na cidade grande e agora iria fingir. Estava bem, tinha arranjado um emprego num escritório de advocacia. Era isso.
Era isso, dinheiro e menos tempo livre nas mãos, o tipo de conforto que demorou muito tempo para chegar e que ele não largaria tão facilmente como já fez nas milhões de vezes anteriores.
Faria mais um dos melodramas mexicanos quando seus pais o vissem saindo com a mochila. Estava ali para fazer esta confusão e, assim, conseguir conforto financeiro. Conhecia seus pais e sabia que eles acabariam enganados por sua lábia. A sua pose de executivo empregado e sua soberba eram a farsa que poderia montar mais facilmente.
Farsas... É ele sabia que já não agüentaria mais farsas, mas essa era a última. Ou assim ele queria acreditar. Acreditar para tornar real, você sabe como é, e ele já sabia como seriam as 3 horas antes de finalmente sair de casa para sempre.
Ouviu alguns ruídos de panelas sendo retiradas do conforto do armário e das xícaras sendo dispostas à mesa. Sua mãe já havia acordado. Só faltava esperar seu pai levantar-se do sono intranqüilo, que o perseguia desde a briga que fez seu filho deixar a casa escura.
Deitou-se na cama, olhou o céu pela janela, cruzou as mãos na altura do peito, sentia aquela dor, no lugar que supostamente tinha um coração, fazia duas semanas. Às vezes pensava que iria morrer, às vezes passava, às vezes acabava dormindo e acordava cansado demais para qualquer outra coisa.
Era uma dor perseguidora. Começara uma semana depois de chegar aos trancos e barrancos no fim de linha do trem que levava à capital. Ali perto mesmo arrumou uma casa destruída e tentava um emprego. Recusara-se a pensar que a dor era pelo fato de estar, de fato, completamente abandonado, por si mesmo excluído.
Ouviu vozes de seus pais conversando e logo foi em direção à eles, tinha pensado em passar pela porta de saída/entrada direto, mas resolveu esquecer a dor e a covardia. Quase 3 horas de diálogos vazios com seus pais e um “Adeus!” antes de partir.
Conversaram horas à fio e horas à farsa. Sua mãe pedia que voltasse para casa, do jeito mais calmamente interiorano que existia. Desferia os mais sutis golpes verbais. A dor diminuía. Ele sabia que não poderia resistir. Mas continuava com a mentira.
Ao passar pela porta já não lembrava nem da metade de toda a conversa. Foi caminhando até a rodoviária, e depois pegou um ônibus para o aeroporto mais próximo, não que ele fosse sair de lá agora, mas ele queria ver aviões partirem o dia inteiro.
Um... Dois... Aquilo lhe dava paz. A segurança com a qual eles partiam, deixando para trás um rastro congelado de saudades. A segurança que nunca tivera ao sair de casa. A que sempre o acompanhara quando pensava fazer alguma bobagem irremediável.
Acendeu um cigarro e não conseguia mais pensar em nada. E até nem sentiu quando queimou a mão quando o cigarro estava acabando. Não sentiu o tempo passar. Só percebeu quando a ponta de cigarro transformou-se numa mini-lanterna sem serventia. Era noite e estava ali, sentado debaixo de uma árvore, colado à grade que impedia o acesso à pista de vôo, vendo, uma a uma, as partidas dos aviões.
Desceu do ônibus e logo acendeu um cigarro. Seu agasalho não dava conta de aquecer-lhe o tórax o suficiente. A fumaça que soltou pela boca misturou-se a névoa rala e à poluição cinza do escapamento dos veículos. "No Pólo Sul não seria assim" pensava, a cada passo imaginava um branco diferente, mas acabava sendo sempre o mesmo.
Sempre o mesmo. Estava acostumado com isso. Não precisava pensar em muitas coisas ou olhar para muitos lugares para sentir algo comum, trivial. Mas ver brancos tão iguais não lhe trazia uma sensação desconfortável. Era apaziguador.
Paredes limpas, o único lugar impossível de se perder, o único caminho que ele sabia naquela madrugada. Poderia andar mais 50 quarteirões, mas a cidade só tinha 20.
Que seja. Naquela cidade, a distância entre a rodoviária e a casa de seus pais poderia ser considerada grande. Melhor assim, teria de andar mais e demoraria mais a vê-los. Poderia pensar melhor se valeria a pena humilhar-se para conseguir alguns trocados. Se desistisse, não importaria que tivesse de varrer as ruas para voltar. "Minha dignidade vale mais que uns pratos de comida", pensava, tentando dissuadir-se. Mas, quando viu, já estava em frente à casa onde morara por anos.
Sentou na calçada e acendeu mais um cigarro. e depois outro e outro... O céu não mudava de cor, ele não (se) sentia (mais) frio. Levantou e entrou, direto para o quarto, direto para o que chamava de conforto. Abriu todas as gavetas e as esvaziou em sua mochila, não era muito, mas era o suficiente, não era suficiente, mas era convincente.
Algumas roupas rasgadas, outras que nem lhe cabiam. Pelo menos faziam volume. Iria impressioná-los, com certeza. "Ele vai embora de vez!", diriam assustados. Puro engano. Estava mais acuado que um ratinho ileso. Não fora bem sucedido na cidade grande e agora iria fingir. Estava bem, tinha arranjado um emprego num escritório de advocacia. Era isso.
Era isso, dinheiro e menos tempo livre nas mãos, o tipo de conforto que demorou muito tempo para chegar e que ele não largaria tão facilmente como já fez nas milhões de vezes anteriores.
Faria mais um dos melodramas mexicanos quando seus pais o vissem saindo com a mochila. Estava ali para fazer esta confusão e, assim, conseguir conforto financeiro. Conhecia seus pais e sabia que eles acabariam enganados por sua lábia. A sua pose de executivo empregado e sua soberba eram a farsa que poderia montar mais facilmente.
Farsas... É ele sabia que já não agüentaria mais farsas, mas essa era a última. Ou assim ele queria acreditar. Acreditar para tornar real, você sabe como é, e ele já sabia como seriam as 3 horas antes de finalmente sair de casa para sempre.
Ouviu alguns ruídos de panelas sendo retiradas do conforto do armário e das xícaras sendo dispostas à mesa. Sua mãe já havia acordado. Só faltava esperar seu pai levantar-se do sono intranqüilo, que o perseguia desde a briga que fez seu filho deixar a casa escura.
Deitou-se na cama, olhou o céu pela janela, cruzou as mãos na altura do peito, sentia aquela dor, no lugar que supostamente tinha um coração, fazia duas semanas. Às vezes pensava que iria morrer, às vezes passava, às vezes acabava dormindo e acordava cansado demais para qualquer outra coisa.
Era uma dor perseguidora. Começara uma semana depois de chegar aos trancos e barrancos no fim de linha do trem que levava à capital. Ali perto mesmo arrumou uma casa destruída e tentava um emprego. Recusara-se a pensar que a dor era pelo fato de estar, de fato, completamente abandonado, por si mesmo excluído.
Ouviu vozes de seus pais conversando e logo foi em direção à eles, tinha pensado em passar pela porta de saída/entrada direto, mas resolveu esquecer a dor e a covardia. Quase 3 horas de diálogos vazios com seus pais e um “Adeus!” antes de partir.
Conversaram horas à fio e horas à farsa. Sua mãe pedia que voltasse para casa, do jeito mais calmamente interiorano que existia. Desferia os mais sutis golpes verbais. A dor diminuía. Ele sabia que não poderia resistir. Mas continuava com a mentira.
Ao passar pela porta já não lembrava nem da metade de toda a conversa. Foi caminhando até a rodoviária, e depois pegou um ônibus para o aeroporto mais próximo, não que ele fosse sair de lá agora, mas ele queria ver aviões partirem o dia inteiro.
Um... Dois... Aquilo lhe dava paz. A segurança com a qual eles partiam, deixando para trás um rastro congelado de saudades. A segurança que nunca tivera ao sair de casa. A que sempre o acompanhara quando pensava fazer alguma bobagem irremediável.
Acendeu um cigarro e não conseguia mais pensar em nada. E até nem sentiu quando queimou a mão quando o cigarro estava acabando. Não sentiu o tempo passar. Só percebeu quando a ponta de cigarro transformou-se numa mini-lanterna sem serventia. Era noite e estava ali, sentado debaixo de uma árvore, colado à grade que impedia o acesso à pista de vôo, vendo, uma a uma, as partidas dos aviões.
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