Ontem eu vi um serzinho tão delicado, tal qual um Pequeno Príncipe. Foi assim que eu descobri que todo mundo é – ou esqueceu que é – anjo. Era daquele tipo especial de pessoa que a gente não sabe de início se é menino ou menina – e nem precisa, nem deve e na verdade nem se importa. Daquele tipo que faz o machão pensar enlouquecidamente que olha para uma fêmea e que faz uma moça de família pensar num ex-sapo cheio de testosterona – tudo para não colocar em xeque suas heterossexualidades paranóicas e homofóbicas, porque cheias de incertezas. Mas não, com os anjos não. Anjos se dividem com todos, atraem os olhares. Alguns espalham ideologias dessa maneira. Ocupam as mentes por serem tão delicados que chegam a ser ofensivos. Etéreos. Libertários.
Mas essa parcela da população – infelizmente a grande maioria – esquece que anjo não tem sexo e começa a fazer alvoroço sobre seu gênero – e até sobre a etnia dos multi-cores anjinhos. Só que o menos importante num primeiro contato e num primeiro desejo – e anjo sabe disso e se deseja loucamente, avermelhando de paixão o azul-turquesa do paraíso; triplicam a intensidade de paz presente nas nuvenzinhas em que estão montados. Mas há teimosos que insistem, clássicos, em se humanizar. Cortam as asas e despencam em pinguinhos de chuva. Água de anjos cadentes. Colidem com o chão e entram em profundo estado de amnésia: um lapso rapidíssimo que não dura um frame fotográfico e pronto, desangelicalizado está. Esquecem que são anjos.
Acredito que, de forma involuntária, García Márquez descobriu o dilema sobre a expressão de convalescença dos anjinhos barrocos: como é difícil viver ciente de que a maioria dos outros anjos é divorciada das auréolas. E, dessa forma, muitos partem em exílio, como fez Remedios, a bela, no seu Cem Anos de Solidão. Os anjos cansam, tentando alertar as pessoas que todo mundo é anjo, como eles, mas chegar a essa memória nos cérebros alheios é uma tarefa árdua. A lembrança encontra-se num ponto quase inalcançável, de modo que é muito difícil reavivar mentes. Durante muito tempo os anjos iam presos por tentarem propagar qualquer ideiazinha que pensavam. Trancafiados em um lugar distante deste cabaré depravado, Charles, Jorges, Eveys e tantos outros heterônimos não podia se manifestas. Hoje, aos poucos, começam a engatinhar.
Anjos defendem a negação do pintinho e da periquitinha como fator número um para a existência do primeiro desejo – e, eventualmente um segundo, terceiro, quadragésimo sexto... -, de qualquer ordem que seja. Anjo sabe que o desejo possui caráter transcendental, e que a gente só deve se preocupar com sua inexistência. E como vão as coisas my friend Charles?
segunda-feira, 7 de maio de 2007
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