quinta-feira, 1 de fevereiro de 2007

Joseval ataca de novo

Com desgosto, Joseval Siqueira abriu a carteira e entregou pela janela trinta e cinco reais ao taxista. O motorista agradeceu e arrancou em seu carro amarelo em busca de mais um passageiro. Deixou Joseval plantado no meio da rua, limpando a poeira - levantada pelos pneus de seu táxi - acumulada em seu paletó surrado. Assim que terminou de bater as mãos em seu tórax, caminhou em direção à portaria do prédio antigo que o abrigava desde que se mudara da zona leste. Seu interior era escuro e o mofo revestia as paredes. Os fungos proliferavam-se graças à umidade excessiva do cimento cheio de infilitrações. Não podia se queixar, era o melhor que seu dinheiro poderia pagar.
Subiu as escadas até seu quarto no quinto andar. A primeira coisa que fez ao entrar no cômodo foi ligar seu computador. Mesmo com seu salário de semi-desempregado, mantinha o vício de utilizar a Internet. Seu alvo eram os sites de encontros pessoais. Acessava usando um daqueles provedores que pagam ao usuário. Uma vez conectado, começava a passear por orkut, MySpace, Multiply, FindADate e tudo o que pudesse conectá-lo a outras mulheres, que não a desgostosa Silvinha. E, claro, com o MSN aberto.
Nenhuma mensagem nova. - Estou fodido mesmo - balbuciou em um grunhido difícil de entender. Ainda vadiou por uns momentos, pensando no fracasso da noite com Silvinha. Resolveu tocar uma para uma dessas celebridades de quinta categoria de seu tempo sem glamour.
Um pouco cansado do exercício no banheiro, pegou na geladeira uma coxa abandonada de frango e foi se despindo. Deixou o osso sobre o rádio relógio e foi dormir.

*****

No dia seguinte, fiquei pensando na frustração da noite anterior. só havia aumentado depois da maldita masturbação. que jeito horrível de se acabar uma noite: pensando em fazer sexo com uma big brother. tinha de arranjar alguma pessoa hoje.
Entrei no dating service. Nada ainda. Então tomei uma chuveirada pra tirar o ranço de ontem. Vesti uma cueca limpa. E comecei a procurar uma garota com um perfil menos...Silvinha.
De fato, não consegui. o tipo de gente que usa estes sites é bem joseval & silvinha, pares perfeitos. então, vamos lá. abordei uma tal de mariana ruiva 29. estava online e provavelmente receberia resposta logo.
Tiro e queda. Em uns dois minutos tinha uma mensagem em caixa. " Nossos perfis combinam - odeio quando elas usam esse sorrisinho-pontuação - Também adoro macarrão. Vamos numa cantina italiana?" ao menos ela era direta. Sem complicação.
Vi suas fotos. não era bonita. mas também não era uma silvinha. marcamos às 20 horas e eu contava meu dinheiro que seria gasto. morando sozinho conseguia gastar mais com esse tipo de divertimento, mesmo recebendo pouco.
Dava pra um talharim e um refrigerante. Quem sabe até uma torta holandesa. Confirmei com a rapariga, seja o que deus quiser e tomara que ela escolha uma cantina furreca.
Era um local agradável. E o melhor, barato. Às oito horas eu já estava esperando e cinco minutos depois ela chegou. Pontual, pelo menos. Levantei-me e cumprimentei-a educadamente, como Al Pacino faria. Ela deu um sorriso largo e sentou-se.
Com as pernas ligeiramente abertas. Como Al Pacino faria. Sim, temos muito em comum. Marianaruiva29. Já não era ruiva. Já não devia ter 29 também.
Fui direto.
- Ruiva? não vejo fios que possam dizer isso. Gosta de pintar os cabelos?
- Oh, é verdade. Aquilo no site é meio desatualizado. Na verdade até ajuda. Atrai muitos homens firmes assim como você.
- Uau. Começou elogiando. Me senti como Al Pacino. Agradeci e logo a conversa fluiu agradavelmente, sobre como é ruim levar bolos e sobre toda aquela baboseira de internet. Esperávamos despreocupados pelo talharim.
Chegaram os pratos. Enormes. Novelos e novelos de massa submersa em um molho vermelho e grosso. Vinho tinto. Pão de alho, meu deus, Pão de alho! Estavamos indo muito bem. Ora a quem estou enganando. O que não estaria muito bem com uma cesta cheinha de pão de alho?
Cheguei à conclusão de que o preço cobrado era módico. O prato valia muito mais. Nossa, que local excelente. E mais excelente ainda era o modo que Mariana tratava a comida. Comia devagar, e quanto mais comia, mais abria as pernas, roçando em mim e me olhando de maneira tarada.
Precisva agir como Al Pacino. - Vamos para o meu apartamento. Agora. - Ela gostou da idéia, e sorriu depois de um gole de vinho.
Pedi a conta. Me ofereci pra pagar. Me sentia generoso. É o tipo de sentimento que me pega desprevenido. Ela insistiu em rachar. Ah, uma feminista. Os machistas podem dizer o que quiserem, mas nesse ponto as feministas são demais. Me pegou pelo braço, disse Vamos. Segura. Implacável. Incrível como ao longo da noite ela foi ficando mais bonita. Essa moça, ela é como Al Pacino.
No caminho fui dizendo que minha casa não era legal, que era meio escura e que ela não poderia gostar. Ela insistiu querendo conhecê-la e eu não tive saída. Tinha que ser infalível. Fazê-la não perceber as imperfeições do local. Tarefa difícil. Mas era minha única chance. Vamos lá.
Estávamos no elevador. tudo bem, tudo bem. Tem espelho, ela ficou ajeitando o cabelo, tirando uma salsinha do dente, nem reparou nos palavrões escritos no painel a ponta de chave. passei o braço ao redor dela antes de abrir a porta do apartamento. Mais que um gesto intuitivo, era estratégico. Tentei encobrir a visão dos aposentos com meu corpo.
No fim, não consegui esconder o apartamento. Ela fez que não ligava e foi logo tirando o casaco que cobria seus ombros. Senti que dessa vez a coisa ia sair bem. Abri a janela e sentei-me a cama, tirando minha gravata.
- Não, Joseval. Deixa que eu tiro. - Ela sentou-se ao meu lado na cama e senti-me conquistador como Al Pacino. Deixei que ela atirasse a gravata no chão. Sexy. Puxa, você não tem um abajur? Ela perguntou. Não tinha. Liguei o computador. Pronto, baby. A tela ilumina. Improvisação nas horas dificeis. Como Mc Gyver. Não é Al Pacino, mas ao menos é um cara famoso.
Mariana olhou meio assustada pro computador. Deve ter pensado o quão conquistador barato eu era. Virou-se bruscamente para mim, e acabou chocando seu braço contra minha testa. Seu anel acabou arrancando um pedacinho de pele do supercílio e começoui a sangrar. Ela ficou desesperada, pedindo desculpas e procurando algum algodão, um remédio. Para meu lamento, foi procurar na cômoda.
Ao abrir a primeira gaveta, ao passo que eu implorava para que ela não abrisse, ela achou, desposados de qualquer jeito, o relógio velho e o ossinho da coxa de frango. Gritou, pulando para trás.
Virou pra mim, os olhos brilhando. Joseval, que porra é essa? Ossinho de frango, meu bem. Só um ossinho de frango. Tirei da mão dela, carinhoso, joguei no lixo do banheiro. Todo gentileza. Um gentleman. Um superhero. Ia, heroicamente, salvar o clima. Busquei um vinho pra nós dois. Pus uma música. A tela do pc colaborava, fornecendo uma meia-luz digna de cabaré.
E eu bem queria que ela fosse realmente uma puta, como tinha demonstrado no restaurante, abrindo suas pernas e roçando nervosamente em minha canela. Mais uma vez ela relevou as más condições do meu doce e mofado lar. Talvez estivesse precisando de sexo tanto quanto eu e isso era bom para nós dois. Começamos a nos agarrar, e sem romantismo, ela foi logo descendo seu vestido, revelando estar sem soutien e sem calcinha. A noite era, definitivamente, minha.
Por baixo do vestidinho, uns peitos medianos . Não, Al Pacino não teria peitos assim, mas sejamos francos, a essa altura dos acontecimentos pensar no Al Pacino poderia estragar tudo. Então pensei na Loira que dança tango com o Al Pacino, e de fato, Mariana tinha pernas de dançarina de tango e, melhor, volúpia de dançarina de tango. E eu. Que fazer? Eu apalpava como um ceguinho.
E nossa, como ela se movia, lânguida, seus seios bailando tango em minhas mãos, mas, mais embaixo, em meu colo, o encontro de nossas coxas proporcionava um samba que nenhuma mulata da Sapucaí conseguiria dançar. Pelo menos não na avenida.
Eu mestre-sala. Ela, Porta-bandeira. Porta-bandeira, que trocadilho malicioso isso não daria. E agora, olhos fechados, ela já não via o apartamento, as meias sujas, a louça por lavar, a luz neônica que emanava a tela do computador, sequer me via, devia ver Al Pacino, James Bond, quem quer que habitasse seus sonhos molhados, mas eu via tudo, cada contorção, cada suspiro.
Malditos cupins. Decisivos para o fim da minha breve experiência sexual com Mariana. O que eu recebia do meu provedor de internet não fora suficiente para combater a praga que roía o estrado da minha cama. Agora estava eu, nu, ao chão, com meu ferimento no supercílio estancado, e com uma lasca de madeira na perna, observando a lascívia deslizar porta afora com Mariana, enfurecida, ainda se vestindo.
Moça corajosa, é preciso dizer. Sair por aquele bairro, àquela hora amarrando alças em um vestido que, eu bem sabia, não tinha nada por baixo. Não era muito compreensiva com relação aos cupins mas era corajosa. Não fossem os peitos, poderia ser Al Pacino.

4 comentários:

Anônimo disse...

malditos cupins e abençoados seios!

Marcelo Oliveira disse...

Estou gostando muito deste personagem! Ele é um alívio para os simples e perdedores homens.

Gabriella Villaça disse...

Eu adorei o texto, adorei mesmo.
Você escreve bem esses contos, ai acabei de ler e to pensando no conto, a coisa do Al Pacino, sabe aqueles contos que a gente acaba de ler e quer indocar aos amigos, vou falar com o toni pra mostrar esse conto pra uma revista de literatura daqui,que eu nunca tenho cara de mandar um, mas esse tá lindo e digo ser seu essas coisas, quem sabe, é a Bagatelas, não tem muitos textos bons,mas esse se entrar vai ser um peso bom lá, que a ultima tava fraca demais.

Enfim, vim pra dizer que adorei e que to com saudade.

é não é um comentario Al Pacino, mas da pro gasto, é que eu tenho peitos,vc sabe,né? rs

Anônimo disse...

esse conto é do caralho. Você é foda moleque, meus parabéns;

Toni barreto